David B. Clark, em 1996, publicou um artigo com
o título sugestivo de “Abolishing virginity” (Abolindo a virgindade), no qual
procura iniciar a padronização de conceitos ligados à ecologia da floresta
tropical. Destaca-se, no texto, a afirmação de que “em termos práticos, determinar
se uma floresta está sendo ou foi, em qualquer momento, afetada por atividades
humanas é problemático”. Escreve ele que a presença humana, histórica e atual, nos
trópicos faz com que o termo “virgem” seja inadequado de modo geral. Apesar de
já idosa em termos científicos, essa afirmação pode chocar alguns pesquisadores
(aqui, usarei o termo no masculino com abrangência para as pesquisadoras).
Ainda é comum encontrar pesquisadores que idealizam os habitats nos quais
trabalham, entendendo que áreas mais ou menos isoladas e quase inacessíveis traduzam
o “ideal” da diversidade de determinado ecossistema. Isso é muito natural,
tendo em vista que o Brasil ainda possui muitas áreas nessas condições. Porém,
considerando-se a maioria dos sistemas ecológicos, a regra, hoje ou no passado,
foi o impacto em algum grau e o que se vê, atualmente, é o resultado dos
processos de recuperação da vegetação e da fauna. Clark sugere o termo “old-growth”
(idoso, traduzido livremente) para caracterizar florestas que não foram
impactadas por um longo período, o que seria o extremo de um contínuo que passa
por pastagens abandonadas e áreas agrícolas. Dessa forma, o foco é retirado da
questão relacionada à idealização do que seja “original” e, consequentemente,
cria condições para estabelecer comparações deterministas entre diferentes
estágios florestais. Essa proposta é bem adequada e pode ser estendida para
diferentes ecossistemas brasileiros. A classificação será baseada em aspectos
estruturais e funcionais, não mais em uma abstração do que seria “intocada” (50
anos, 100 anos, 1000 anos). A idealização da natureza intocada, no Brasil, é um
fato corriqueiro, inclusive com divulgação midiática. Isso não é ruim. Afinal,
realmente, devemos ter áreas muito parecidas com... O que mesmo? Em tempos de
mudanças climáticas, nem a mais remota floresta tropical está totalmente livre
de impactos... Essa abordagem do “intocado” pode ser justificada pela questão
ética relacionada com a conservação da biodiversidade. Afinal, devemos
preservar para que várias funções dos ecossistemas possam ser mantidas. Porém,
por outro lado, essa visão cria uma barreira importante. Atualmente, a maior
parte dos ecossistemas está sob influencia das sociedades humanas. O foco, na
maior parte dessas áreas, deve ser o estudo de descritores locais, da paisagem
e regionais que possam influenciar nos padrões de diversidade e nos serviços
ecossistêmicos. Dessa forma, nós, pesquisadores, poderemos ter um panorama das
influencias que são mais importantes para possíveis diferenças na distribuição
da diversidade vegetal e animal e até que ponto essas influencias podem ser atribuídas
às atividades de uso e conversão de habitats pela sociedade humana. Áreas
relativamente “intactas”, baseadas em uma classificação estrutural e funcional,
podem funcionar como controles para os estudos. Mas, no meu entendimento, em
áreas com forte pressão antrópica, o foco deve ser na análise dos principais
direcionadores de possíveis mudanças espaciais e temporais na biodiversidade.
Só assim, nessas áreas, teremos embasamento técnico-científico para sugerir
ações de manejo que sejam adequadas para a manutenção da biodiversidade nos
diferentes biomas brasileiros.