terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ECOSSISTEMAS INTOCADOS ou A IDEALIZAÇÃO DA NATUREZA


David B. Clark, em 1996, publicou um artigo com o título sugestivo de “Abolishing virginity” (Abolindo a virgindade), no qual procura iniciar a padronização de conceitos ligados à ecologia da floresta tropical. Destaca-se, no texto, a afirmação de que “em termos práticos, determinar se uma floresta está sendo ou foi, em qualquer momento, afetada por atividades humanas é problemático”. Escreve ele que a presença humana, histórica e atual, nos trópicos faz com que o termo “virgem” seja inadequado de modo geral. Apesar de já idosa em termos científicos, essa afirmação pode chocar alguns pesquisadores (aqui, usarei o termo no masculino com abrangência para as pesquisadoras). Ainda é comum encontrar pesquisadores que idealizam os habitats nos quais trabalham, entendendo que áreas mais ou menos isoladas e quase inacessíveis traduzam o “ideal” da diversidade de determinado ecossistema. Isso é muito natural, tendo em vista que o Brasil ainda possui muitas áreas nessas condições. Porém, considerando-se a maioria dos sistemas ecológicos, a regra, hoje ou no passado, foi o impacto em algum grau e o que se vê, atualmente, é o resultado dos processos de recuperação da vegetação e da fauna. Clark sugere o termo “old-growth” (idoso, traduzido livremente) para caracterizar florestas que não foram impactadas por um longo período, o que seria o extremo de um contínuo que passa por pastagens abandonadas e áreas agrícolas. Dessa forma, o foco é retirado da questão relacionada à idealização do que seja “original” e, consequentemente, cria condições para estabelecer comparações deterministas entre diferentes estágios florestais. Essa proposta é bem adequada e pode ser estendida para diferentes ecossistemas brasileiros. A classificação será baseada em aspectos estruturais e funcionais, não mais em uma abstração do que seria “intocada” (50 anos, 100 anos, 1000 anos). A idealização da natureza intocada, no Brasil, é um fato corriqueiro, inclusive com divulgação midiática. Isso não é ruim. Afinal, realmente, devemos ter áreas muito parecidas com... O que mesmo? Em tempos de mudanças climáticas, nem a mais remota floresta tropical está totalmente livre de impactos... Essa abordagem do “intocado” pode ser justificada pela questão ética relacionada com a conservação da biodiversidade. Afinal, devemos preservar para que várias funções dos ecossistemas possam ser mantidas. Porém, por outro lado, essa visão cria uma barreira importante. Atualmente, a maior parte dos ecossistemas está sob influencia das sociedades humanas. O foco, na maior parte dessas áreas, deve ser o estudo de descritores locais, da paisagem e regionais que possam influenciar nos padrões de diversidade e nos serviços ecossistêmicos. Dessa forma, nós, pesquisadores, poderemos ter um panorama das influencias que são mais importantes para possíveis diferenças na distribuição da diversidade vegetal e animal e até que ponto essas influencias podem ser atribuídas às atividades de uso e conversão de habitats pela sociedade humana. Áreas relativamente “intactas”, baseadas em uma classificação estrutural e funcional, podem funcionar como controles para os estudos. Mas, no meu entendimento, em áreas com forte pressão antrópica, o foco deve ser na análise dos principais direcionadores de possíveis mudanças espaciais e temporais na biodiversidade. Só assim, nessas áreas, teremos embasamento técnico-científico para sugerir ações de manejo que sejam adequadas para a manutenção da biodiversidade nos diferentes biomas brasileiros.

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