quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Abordagem funcional da diversidade: um olhar para o papel das espécies no ecossistema

A biodiversidade engloba a diversidade de todas as formas de vida encontradas e ainda por encontrar no planeta. Quando falamos de diversidade de formas de vida, em geral visualizamos um determinado indivíduo de uma espécie qualquer. Tendemos a pensar que os indivíduos dentro de espécies são praticamente iguais, afinal de contas, fazem parte do mesmo grupo. Porém, dentro da mesma espécie, os indivíduos podem apresentar variações fenotípicas que se traduziriam em formas diferentes de atuação no ecossistema. Isso pode ser particularmente verdade se os indivíduos apresentam plasticidade fenotípica ligada a alterações ambientais. Por outro lado, nem sempre as variações que se traduzem na divisão entre diferentes espécies são suficientemente marcantes para que essas espécies sejam completamente diferentes quanto às suas funções no ecossistema.
Exemplos da diversidade de tamanhos e formas de folhas de pteridófitas. Extraído de https://www.researchgate.net/figure/Examples-of-the-diversity-of-size-and-shape-in-fern-leaves-A-Pteris-aspercaulis_256502328_fig3)

Nesse sentido, a diversidade funcional geralmente envolve o entendimento de comunidades e ecossistemas a partir do que os organismos fazem, ao invés da sua história evolutiva, a qual se traduz na separação dos organismos a partir dos eventos de especiação dentro dos grandes grupos biológicos. Uma definição mais específica poderia ser "o valor e amplitude dos atributos de espécies e organismos que influenciam no funcionamento do ecossistema." Dessa forma, medir a diversidade funcional teria a ver com medir a diversidade de atributos funcionais. Atributos funcionais são componentes de um fenótipo de um organismo que influencia em processos ecossistêmicos.
Para estudar a diversidade funcional, é necessário que sejam realizadas medidas nos atributos de cada indivíduo, de forma que se possa caracterizar a variação fenotípica da população. Na verdade, pode-se trabalhar tanto com os atributos em nível de indivíduos (individual-based) ou em nível de espécies (species-based). No nível de espécies, os atributos individuais são levados em consideração em conjunto, por exemplo, utilizando-se a média das características individuais.
Em essência, abordar aspectos funcionais dos organismos e sua relação com o ecossistema tem a ver com a utilização de recursos pelos mesmos e em como os organismos respondem a variações ambientais, tanto abióticas, quanto bióticas.
Duas perguntas podem ser feitas a partir da abordagem de diversidade funcional:
1. Como as espécies influenciam o funcionamento dos ecossistemas?
2. Como as espécies respondem às alterações ambientais?
Um importante aspecto da diversidade funcional é que a "função", nesse caso, pode ser considerada como uma "adaptação" do organismo às pressões seletivas. Nesse sentido, a história evolutiva do organismo moldou seus atributos de forma que ele pudesse estar capacitado a sobreviver e se reproduzir em um determinado ambiente. Como resultado, as características fenotípicas das espécies influenciam suas abundâncias e distribuições nos ecossistemas. Como as espécies vivem e compartilham dos ecossistemas com outras espécies, pode-se inferir que essas interações determinem, em menor ou maior grau, a montagem das comunidades locais.
Outro aspecto importante da composição de atributos é a redundância funcional, que representa a similaridade entre as espécies em termos funcionais. Espera-se que espécies funcionalmente redundantes tenham papéis semelhantes nos processos ecossistêmicos. Assim, a redundância funcional seria um seguro para a manutenção de processos ecossistêmicos no caso de perturbações que causassem a extinção de algumas espécies, pois haveria a compensação por outras espécies funcionalmente similares.
O uso dos atributos funcionais tem aplicação direta para o estudo da teoria de montagem das comunidades biológicas. Em princípio, essa teoria propõe que os organismos sejam distribuídos ao longo de gradientes ambientais porque seus atributos funcionais (propriedades fisiológicas e morfológicas) influenciam sua aptidão e desempenho (performance). Por consequência, espécies com atributos funcionais similares provavelmente irão ser encontradas em ambientes parecidos, levando à convergência de atributos dentro das comunidades. Mas, há um importante processo em jogo: a competição. Em oposição à força seletiva do ambiente, a competição por recursos restritos tende a limitar a similaridade funcional de espécies que co-ocorrem na comunidade, o que levaria à redução da competição interespecífica, promovendo, então, a coexistência. A consequência dessa limitação à similaridade é a divergência dos atributos dentro das comunidades, apesar de que a competição pode, às vezes, levar à exclusão de espécies funcionalmente distintas também.

Montagem de comunidades de bactérias pela ordenação baseada em filtros ambientais. Formas de blocos iguais são genes com a mesma função e cores diferentes são táxons diferentes. Extraído de https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmicb.2016.01254/full.

Várias questões importantes se levantam a partir da abordagem funcional da diversidade biológica. Por exemplo, como as alterações climáticas afetam a resposta funcional da diversidade? Como as predições de alterações futuras podem afetar essa resposta? Como a diversidade funcional responde às alterações no uso e cobertura do solo? Essas alterações podem afetar o papel que as espécies desempenham nos ecossistemas? Se sim, até que ponto há perda da diversidade funcional e, portanto, perda de funções importantes nos ecossistemas?

Referências

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Petchey, O.L., Gaston, K.J. 2006. Functional diversity: back to basics and looking forward. Ecology Letters 9:741-758.
Cadotte, M.W., Arnillas, C.A., Livingstone, S.W., Yasui, S.-L.E. 2015. Predicting communities from functional traits. TREE 9:510-511