terça-feira, 19 de abril de 2011

Conhecimento fragmentado do mundo fragmentado

Uma das características mais desejáveis da ciência é a capacidade de se fazer previsões sobre as trajetórias futuras dos fenômenos. É assim no caso das leis dos movimentos dos planetas, por exemplo. A existência de leis, nesse caso, pressupõe uma capacidade de previsão. A generalização dos processos e efeitos de um determinado fenômeno em qualquer parte do mundo físico leva à formulação de uma lei geral.

Na Ecologia, apesar dos esforços dos cientistas, parece haver apenas uma generalização bem estabelecida: a relação espécies-área. Esse padrão diz que "quanto maior a área física, maior o número de espécies que encontraremos." Veja bem, isso não é uma lei, mas uma generalização de uma padrão, o que quer dizer que sempre há uma probabilidade de não o encontrar. Imagine, mais ou menos, se o movimento da Terra fosse um padrão com possibilidades de desvios na trajetória, não uma lei física. Não se poderia precisar exatamente quando aconteceria um eclipse solar, por exemplo, somente as probabilidades associadas ao fenômeno baseadas nas variáveis que influenciariam o mesmo.

A busca por padrões gerais e abrangentes é uma coisa desejável na Ecologia, pois a sucessiva repetição de padrões gerais nos levaria a formulação de uma lei a respeito de algum fenômeno ecológico e isso seria bom para que pudéssemos prever alterações nos ecossistemas associadas com o impacto da expansão humana, por exemplo. Porém, padrões gerais para quaisquer fenômenos físicos envolvendo seres animados parecem ser muito difíceis de encontrar.

A minha revisão OVERVIEW OF ARTHROPOD COMMUNITY RESPONSES TO FOREST FRAGMENTATION (Visão sobre as respostas das comunidades de artrópodes à fragmentação florestal) (submetido) mostra que estamos, ainda, muito longe de podermos ao menos utilizar ferramentas quantitativas (e.g. meta-analysis - meta-análise) adequadas para procurar padrões gerais de resposta da maioria dos artrópodes.

Apenas 32 estudos foram selecionados em nível mundial, baseados em critérios específicos. Há 506 ecoregiões em áreas florestais no mundo e apenas 22 foram, de alguma forma, acessadas em estudos de fragmentação envolvendo artrópodes. Muito pouco para se quer pensar em generealizações!!! Veja, abaixo, uma tabela com as áreas totais dos biomas florestais mundiais, número de ecorregiões e o percentual de ecorregiões estudados por bioma.



Total area (ha)
%
Number ecoregions
Ecoregions studied
%
Boreal Forest
1512.68
25.50
28
2
7.14
Mediterranean Forest
322.04
5.43
39
3
7.69
Temperate Broadleaf and Mixed Forest
1283.10
21.63
84
8
9.52
Temperate Coniferous Forest
408.62
6.89
53
1
1.89
Tropical and Subtropical Dry Broadleaf Forest
379.63
6.40
55
3
5.45
Tropical and Subtropical Moist Broadleaf Forest
1954.56
32.95
230
4
1.74
TOTAL
5931.56

506
22
4.15











Chamo a atenção para o percentual de 1,74% das ecorregiões estudadas nos trópicos, que é o bioma, atualmente, onde se encontram as maiores perdas de biodiversidade, pois estão em áreas de franca expansão sócio-econômica.

Além disso, dos 32 estudos, a maioria trata de insetos e, dentre esses, outro tanto de besouros de solo. A copa das florestas está praticamente intocada, bem como os sub-bosques.



Vejam, acima, um diagrama hierárquico do número de vezes que os diferentes táxons de artrópodes foram estudados.

Apesar de ser o grupo com mais espécies entre os insetos, os besouros são apenas um dos maiores grupos. Por exemplo, os heterópteras, que compreendem as cigarras, fede-fedes, etc. são muito pouco estudados, apesar de possuírem muitas espécies, inclusive de importância medicinal, veja-se o caso do barbeiro.

Um dos fatores que pode ter influenciado a escolha pelos besouros de solo é a facilidade de coleta, aliada à fácil separação em grupos funcionais. Grupos funcionais são interessantes de se estudar, pois mostram como os organismos exploram os recursos do ambiente. Várias espécies diferentes podem ser agrupadas em um mesmo grupo funcional.

Porém, é muito importante que se façam estudos com outros grupos de artrópodes para se ampliar o conhecimento sobre os impactos da fragmentação florestal sobre esses animais, uma vez que eles englobam uma enorme biodiversidade e possuem várias funções nos ecossistemas florestais, a maioria delas desconhecida.

Outra característica importante dos parcos estudos sobre fragmentação florestal em artrópodes diz respeito às matrizes estudadas. A matriz de uma paisagem, tecnicamente falando, é o tipo de cobertura que mais aparece na paisagem. Porém, com uma licença científica que é muito praticada, chama-se matriz a tudo aquilo que, em se tratando de fragmentos de florestas, não é fragmento de floresta! A agricultura é o tipo de cobertura da matriz que mais aparece nos estudos, mas não há uma caracterização sistemática da estrutura das matrizes na maior parte dos estudos. Ou seja, a área, o perímetro, a zona de contato entre os fragmentos de floresta e outros tipos de cobertura, etc. são variáveis inacessíveis nos artigos estudados, o que inviabiliza uma análise mais profunda de como essas características, resultantes dos impactos humanos, influenciam na biodiversidade dos grupos de artrópodes.

Tudo isso quer dizer que estamos ainda engatinhando no conhecimento a respeito da fragmentação florestal e seu impacto nos artrópodes. As moto-serras são muito mais rápidas do que a ciência.

Além disso, a maioria dos estudos é pontual. Isso quer dizer que apenas uma região foi estudada em um determinado tempo (geralmente um ano, ou até menos) sem comparações com outras regiões do mesmo bioma/ecorregião que estejam passando por outros níveis de fragmentação (veja, porém, http://pdbff.inpa.gov.br/). Apesar disso, esses estudos também são importantes.

O Brasil passa por uma extraordinária oportunidade, pois é um dos países com maior biodiversidade intocada em áreas florestais, mesmo na Mata Atlântica, tanto desmatada. As políticas de expansão e ocupação do solo devem levar em consideração os estudos científicos realizados, sob pena de reproduzirmos o padrão europeu ou norte-americano: devastação e remediação. Temos condições de inverter essa lógica, passando a explorar o meio-ambiente a partir da tomada de decisão baseada em resultados científicos.

O Brasil pode ser um novo paradigma nesse campo, mas, para isso, devemos pensar qual modelo de desenvolvimento queremos. O novo Código Florestal está aí. Nenhuma associação, clube, sociedade, etc. científica, ao que me consta, foi ouvida sobre as alterações.

Estamos deixando passar uma ótima oportunidade...

Luz e paz a todos.

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